Planeta Atacama

Expectativa: calor e areia. Realidade: frio e vulcões.

Pra começar, o Atacama não é um deserto, explicam os guias. Apesar de ser vendido no mercado turístico como o deserto mais alto e seco do mundo, tecnicamente a palavra deserto significa um lugar onde nunca chove. E no Atacama chove. Uma ou duas vezes por ano, bem pouco, mas chove.

Mas essa não é a única coisa que a gente aprendeu nos 5 dias que passou (frio) na secura do Atacama. Teve aula de vulcão, de geyser, de altitude, de minerais na água e de como é importante pesquisar bem antes de viajar para destinos mais aventureiros.

Chegar em San Pedro de Atacama, a cidadezinha base para os principais roteiros da região, é fácil quando você já está em Santiago. Um voo de duas horas até Calama e dali mais uma hora de estrada simples, mas bem asfaltada e pouco movimentada.

Pra nós, que saímos do sul do Brasil, o caminho é um pouco mais longo. E olha que a gente fechou toda a viagem com a MG520 Tours, que achou os roteiros e voos com melhor custo benefício.

Na quarta-feira, pegamos duas horas de carro até Curitiba, mais uma hora de voo pra Guarulhos, mais três horas de voo pra Santiago, sem contar as horas de espera entre os voos, claro. Por isso chegamos em San Pedro por volta das 10h de quinta-feira, bem cansados e doidos por um banho.

Se você é viajante experiente, já antecipou a decepção: check in em hotel é sempre depois de meio-dia, dificilmente você vai entrar no seu quarto limpinho e cheiroso na parte da manhã, ainda mais numa cidade pequena onde a rede hoteleira é formada por pequenos hotéis e pousadas.

Rosane, nossa anfitriã do Parina Atacama, guardou nossa mala grande, explicou como chegar na rua Caracoles, aquela rua que tem todos os restaurantes, bares, lojas de artesanato e agências de turismo e câmbio.

Cansados da viagem, de mochila nas costas e com o sol brilhando na cara, essa primeira de muitas caminhadas entre o hotel e a Caracoles foi a única em que sentimos um pouco o efeito da altitude, que ali ainda é de pouco mais de 2 mil metros.

Trocamos os primeiros 100 reais por milhares de pesos chilenos, entramos no primeiro café simpático que achamos, comemos um pedaço de torta de legumes e uma coca gelada, enrolamos um pouco e voltamos pro hotel. Banho, cama, sono da tarde reparador e saímos pra explorar a sério no fim do dia.

Nossa Alexa em San Pedro era a Fernanda, da Altiplano, agência local que a MG520 Tours, daqui de Jaraguá, contatou pra nos receber por lá. Via whatsapp, ela mandava horários de passeios, ponto de encontro e nos incluía em grupos de whats específicos para algumas atividades, como o tour astronômico, que era pra ser o primeiro a ser feito, já no dia que a gente chegou.

O problema é que os dois ‘pé frios’ chegaram trazendo nuvens para o deserto e a visibilidade do céu não estava boa, então nosso primeiro dia de Atacama foi de descanso, reconhecimento dos arredores, jantar leve (sem querer a gente acabou comendo no melhor restaurante, o Nomad) e bora pra cama cedo.

Viajar é aproveitar o acaso. Não adianta nada você se planejar todo e querer seguir 100% do roteiro. No caso de um destino turístico a mais de 2 mil metros de altitude, amplitude térmica de quase zero a 25ºC e umidade do ar em 30%, descansar da viagem e ir com calma nas primeiras 24 horas é fundamental, principalmente se você já passou dos 20 anos há mais de 20 anos.

Primeiro dia de verdade: Vale da Lua

Nosso primeiro tour era pro Vale da Lua, só na parte da tarde, por isso aproveitamos a manhã pra alugar duas bikes e rodar pela cidade, sem destino. Tem meia dúzia de lojinhas de aluguel de bike, os preços não variam muito. A que a gente pegou era na rua que concentrava várias casas de câmbio, inclusive lá dava pra alugar uma das várias Trek com cara de nova, trocar dinheiro, comprar água e Gatorade e ainda receber boas dicas de pedal, com direito a mapa ilustrado.

Depois de pedalar quase duas horas e ir tirando casaco por casaco no percurso, devolvemos as magrelas e encaramos nosso primeiro menu do dia. No Chile, o menu do dia é como os restaurantes por quilo no Brasil, ou melhor, como o nosso PF, o Prato Feito. Geralmente são duas opções de salada, duas de carne e de acompanhamento. Você escolhe a combinação e ainda tem uma sobremesa. Nesse dia descobrimos que salada chilena é pura cebola roxa e frijoles é uma mistura de feijão com macarrão deliciosa, que acabamos misturando com a quinoa meio sem graça do meu prato. A sobremesa não tem muita escolha, é arroz doce mesmo.

Depois do almoço, Valle de la Luna. O lugar que já foi mina de sal, hoje é um dos primeiros resultados de busca por Atacama. Assim como na Chapada dos Veadeiros, o vale da lua daqui também é um dos passeios mais básicos.

Basicamente, a gente sobe uma duna, por um caminho de terra batida, entre a duna propriamente dita e uma parede de gesso. Lá de cima, se vê o vale, incrível. Uma das formações mais impressionantes lembra um gigante anfiteatro.

Depois de muita foto e contemplação (não necessariamente nessa ordem), a gente desce por outra trilha, pega a van novamente e segue até o ponto das Três Marias, que nada mais é do que uma formação de pedra no estilo Vila Velha (no Paraná, se você não conhece vale a pena), que parece três santas.

A curiosidade aqui é que elas ficam no início da antiga estrada que ia até Calama. A estrada era perigosa e isolada, então os motoristas paravam nas Três Marias para pedir proteção antes da viagem.

Enquanto a guia explicava isso, parecia que alguma coisa tava faltando. Até que ela contou que recentemente, um turista chegou perto demais pra fazer uma foto e conseguiu a proeza de quebrar a formação rochosa. E como o material é muito poroso, uma das Marias está lá, atrás das outras, onde a gente não consegue ver, e não dá pra recolocar no lugar sem ela transformar tudo em pó.

Em seguida, tivemos a primeira experiência típica dos tours do Atacama: o lanchinho. O negócio é sempre caprichado, com petiscos (pra quem gosta de azeitona, se joga), café, suco, cabritas (uma pipoca doce deliciosa) e a oportunidade de bater papo com outros viajantes.

De lá, uma subida pra curtir o pôr do sol, que acabou nos dando um perdido e em troca entregou nuvens ventriculares, que se formam em cima de vulcões quando o vento está mais forte e frio na cordilheira.

Ness rolê, dois encontros foram bem interessantes. O primeiro, com os donos da GoTrip, uma agência de viagens de Santiago, que depois organizaram nossa visita em Vina del mar e Valparaiso. O outro foi com o Dylan Romero, um viajante colombiano que pegou sua moto, saiu de Bogotá pra rodar a América do Sul. Trocamos contatos e ele acabou passando uns dias em casa na passagem pelo Brasil.

Dia dois: Lagoas Altiplanas e Pedras Rojas

Agora a parada ficou séria. Partimos antes das 7h em direção às Pedras Rojas. Passeio de dia inteiro, com direito a café da manhã no Trópico de Capricórnio, no meio do deserto, e almoço em um vilarejo simpático.

A primeira parada é na lagoa dos flamingos. Que são lindos, e tal, mas tava frio, a gente não tinha tomado café ainda e o cheiro não era dos melhores. Mas pelo menos as fotos ficaram bonitas.

De lá seguimos para as primeiras lagos altiplânicas, com a pausa pro café na beira da placa que marca o trópico de capricórnio. É literalmente uma beira de estrada, mas tem um pedaço do caminho Inca que passa por ela, a placa enorme marcando o Trópico de Capricórnio, duas pequenas raposas espertamente rondando a van pra se aproveitar dos restos do nosso café – aliás, a baguete francesa estava tão boa que não sobrou nem farelo.

De barriga cheia e mente esperta de cafeína, começamos a subida. Essa estrada foi a primeira que bateu aquela vontade de ter ido de carro. A gente sobe de mais ou menos 3 mil pra 4 mil e tantos de altitude em uma estrada deliciosa, cheia de curvas e penhascos.

As lagoas são absurdamente lindas. O dia não tinha vento, então a água estava refletindo perfeitamente o sol, com os vulcões no fundo. Tava frio? Tava frio. Mas a vista compensa. E ainda tinha subida.

Em Pedras Rojas, o frio se juntou com o vento. O rolê é uma “trilha” na beira de um lago congelado, culminando nas pedras vermelhas, que ficam assim por causa dos minerais da água. A trilha te leva até as pedras, pertinho da água, que em alguns pontos estava congelada.

Na volta, paramos em um povoado para almoçar em um restaurante bem comum, bem simples, com aquela comida caseira. O grupo se dividiu em duas mesas e a gente logo se juntou com uma família que vinha da França, um casal com uma criança de 10 anos curtindo férias na América do Sul. Fizemos aquela amizade de férias, trocamos dicas de viagens e nos encontramos de novo algumas vezes depois, no Calle Caracol e no transfer para o aeroporto, onde descobrimos que eles tinham aproveitado uma passagem barata e estavam indo pra Ilha de Páscoa.

Dia três: Laguna Cejar, Ojos del Salar e Tour Astronomico

Pra quê ir no Mar Morto ficar boiando se você pode boiar aqui mesmo na América? A Laguna Cejar é o lugar pra isso. Ou era, porque na verdade o banho tá proibido nela, por questões de preservação, mas do lado tem outra lagoa pronta pra você testar o poder do sal.

A estrutura é simples, mas bem funcional: pequenas cabanas com banco, que parecem mais uns pontos de ônibus de cidade do interior, só pra deixar a roupa, e uma área de chuveiro e banheiro pra tirar o sal depois.

A brincadeira é séria e precisa de alguns cuidados. Tem que entrar devagar, pra não espirrar água nos olhos, só pode ficar 10 minutos e realmente não dá pra afundar. Eu tentei, fiquei em pé na parte mais funda e nem molhei a parte de cima dos ombros.

Depois que a gente sai da água, mais regras: não secar o corpo, andar com as pernas meio abertas pra evitar atrito nas coxas, não vestir nenhuma peça de roupa e ir caminhando logo pra área de banhos pra lavar o corpo e tirar os minerais da pele.

Ah, e claro que o banho, assim como a água da lagoa, é bem gelado.

Na volta, passamos nos Ojos de Salar, que são simplesmente dois buracos enormes, causados por erosão, e cheios de água. Não é um passeio muito emocionante, mas o guia tem aquele esquema legal de fazer umas fotos usando a água como espelho.

Esse dia foi de fria, no bom sentido. À noite, finalmente o céu limpou e deu certo ir no Tour Astronômico. Nove da noite, temperatura quase 0ºC, a gente tava lá no ponto de encontro, depois de tomar rapidão um pisco sour com rica rica, e entramos na van com um monte de gringo. A van se mete no deserto, entra num mato, a gente brinca que estamos sendo sequestrados e que vão desovar nossos corpos em algum lugar ermo, mas finalmente chegamos numa casa. O grupo se divide em dois, pelo critério inglês / espanhol (e o guia em inglês era mais divertido), pra assistir uma palestrinha com o base da astronomia. Depois, rola uma aula prática no quintal, vendo as estrelas a olho nu e depois no telescópio. O gran finale é a foto com o céu mais estrelado da vida, mas nessa hora a gente já tava quase morrendo de hipotermia. Mas a foto ficou lindona.

Dia quatro: Geyser del Tatio

A coincidência não ajudou muito a gente nesse roteiro. Depois de ir dormir depois da meia-noite por causa do tour astronômico, saímos do hotel 4h30 da madrugada em direção ao terceiro maior parque geológico do mundo (atrás de Yellowstone e um da Rússia), El Tatio.

Enquanto tava escuro, tudo bem, a gente até aproveita pra cochilar, mas quando o sol nasce a vontade de ver a vista da janela é irresistível. A viagem de 60 km demora quase duas horas porque a estrada é um desastre, em alguns pontos o motorista tem que pegar uns atalhos e caminhos alternativos pra desviar dos buracos.

Chegando lá, estamos a 4 mil metros de altitude e temperatura de – 10ºC.

OK.

Estávamos preparados? Mais ou menos. Duas calças, três meias, não sei quantas camisas térmicas e casacos, um pequeno cobertor, gorro. A única coisa que faltava eram as luvas, que a gente nunca teve. Mas as últimas duas meias limpas da mala estavam lá, pra salvar nossas mãozinhas do congelamento.

O passeio nos geysers dura pouco mais de meia hora, um tempo em que dá pra se sentir explorando um novo planeta. São vários geysers, de tamanhos diferentes, soltando água quente, que vira vapor praticamente de forma instantânea quando entra em contato com o ar frio. E é justamente por isso que a gente sai tão cedo, do meio da manhã pra frente o cenário já muda bastante.

Depois de muito anda, para, ouve explicação, faz foto e vídeo (num tira e põe das luvas improvisadas), a van pega a gente do outro lado e leva pra colina, onde rola o tradicional café do tour, com vista pra El Tatio com todos seus geyseres.

De volta a San Pedro, nossa última noite foi de curtir a cidade, tomar um último pisco sour com rica rica e arrumar as malas pra ir a Santiago.

Do Atacama, ficou a marca de um lugar diferente no mundo, com a mistura de aridez, calor, frio, altitude, e a oportunidade de estar perto de 25 vulcões (sendo 2 ativos), geysers, dunas, lagos congelados e lagoas de sal como se fossem o quintal de casa.

Santiago

A gente já chegou em Santiago com a energia pela metade. Não era um cansaço físico, era mais mental mesmo, era um esgotamento visual, sensorial.

Sair de um deserto rodeado de vulcões para uma cidade, por mais que ela seja linda – e Santiago é realmente bonita – é uma covardia com a cidade. Não tem competição, não tem comparação.

Ficamos num bom hotel em Providencia, um bairro classe media alta cheio de bares e restaurantes, na frente de um centro cultural e perto de parques e shoppings.

Santiago é uma cidade boa de se andar a pé e foi o que a gente fez no primeiro dia: 16 km batendo perna entre museus, galerias de arte e pontos turísticos.

Passamos pela casa do Neruda e fomos em direção ao Museu de Bellas Artes, um prédio histórico, meio palácio, com uma coleção permanente muito interessante e uma retrospectiva de Cecilia Vicuña, artista chilena nascida em 1948, que passou por tantas fases criativas diferentes, que de vez em quando a gente tinha que parar e se certificar que ainda estava na exposição dela.

De lá fomos pra Plaza de Armas, bem no centrão. A imagem que a gente tinha era da plaza de Lima e de Cusco, no Peru, supertranquilas, com guias fazendo walking tours e um monte de prédio histórico.

Mais uma vez, o Chile trocou expectativa e realidade.

A Plaza de Armas de Santiago é caótica, lotada e, pra quem é do interior, até um pouco assustadora. O policiamento é ostensivo, tem viatura estacionada no meio da praça, policiais de moto e a cavalo. Mas a prostituição rola solta e prestando atenção dá pra flagrar o comercio de substâncias ilícitas e entorpecentes acontecendo discretamente, de mão em mão.

Obviamente que não demos moleza com nossos pertences, mas deu pra fazer umas fotos com o celular de boa, sem medo de perder o aparelho no susto.

Como a gente já tinha passado pelo Mercado Central e saído fugido, de saco cheio de tanta gente “convidando” pra almoçar, procuramos um lugar pra comer em um dos prédios em volta da praça.

Acabamos entrando em um que tinha um corredor inteiro de Completo, como eles chamam o cachorro-quente por lá. Mesmo vendo uma galera comendo em pé no balcão a vontade era de algo mais substancioso. Acabamos achando o Nuria, um restaurante grandão com uma cara tradicional, antigão.

Comemos um pastel de choclo, uma das comidas típicas do Chile. Uma cumbuca de barro com massa de milho, cheia de recheios surpresa: tem carne, frango, ovo cozido, azeitona, uma refeição completa.

De barriga cheia, rodamos pelas ruas do calçadão, trocamos um dinheiro, passamos no Museu Histórico Nacional, Museu Pré Colombiano e Palácio de la Moneda. O legal é que no subsolo do palácio presidencial tem um centro cultural com uma arquitetura linda, mas meio vazio de atividades.

Outro lugar lindo de arquitetura é o Centro Cultural Gabriela Mistral (GAM). Modernoso, o centro tem espaço pra exposição, café com coworking, áreas abertas onde a galera faz dança de rua, bar e teatro. O entorno também é um barato, a entrada da estação de metrô do lado é uma verdadeira feira hippie, com venda de discos de vinil, artesanato e bolos mágicos (se é que vc me entende).

Depois de tanta andança e tanta informação visual, voltamos de metrô pro hotel, jantamos e fomos dormir cedo pra no dia seguinte conhecer Valparaiso e Viña del Mar.

Valparaiso e Viña del Mar

Pegamos um tour da GoTrip, agência de Santiago mesmo que se você prestou atenção, vai lembrar que a gente conheceu os donos lá no Vale de la Luna. O tour foi legal, motorista era uma figura que sabia muito de história chilena e de futebol e o guia era brasileiro.

A data escolhida foi uma coincidência curiosa: 1 de junho é o dia da Cuenta Publica, quando o presidente faz um discurso no congresso, um balanço do ano que passou. E um detalhe que eu nunca imaginei é que a sede do governo é em Santiago mas o Congresso fica em Valparaiso, a mudança foi feita pela ditadura Pinochet como uma forma de descentralização.

Essa foi a parte mais emocionante da viagem, passar nas barreiras policiais minutos antes da estrada ser bloqueada por segurança, desviar do centro isolado e chegar na casinha do Neruda. Sim, mais uma, ele tinha três. No mais, Valparaiso é uma cidadezinha charmosa, antiga, com casinhas coloridas e ladeiras.

Viña del Mar, que é colada, já é mais moderna e rica. Mas tirando a oportunidade de molhar a mão no Pacífico – entrar no mar é proibido porque é perigoso demais – e comer um ceviche e um salmão de frente pra praia, conhecer as duas cidades só vale a pena se você tiver um dia realmente livre.

O Chile vale a pena. Tá caro, apesar do câmbio super favorável, mas as paisagens do deserto, a cordilheira vista da janela do hotel em plena capital e mais uma vez a sensação de ser latino americano, valem muito.

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